quarta-feira, 22 de junho de 2011

Quem é você Hanna?


- Olá Hanna! Lembra-se de mim? Fui eu quem lhe escreveu aquela carta, aquela que dizia que eu tinha dúvidas se você era uma mulher ou garotinha assustada, e nela eu também lhe aconselhava a não tentar mudar as coisas. Recorda-se? Parece surpresa! Ah sim! Pensou que eu fosse um amigo porque assinei como tal, e agora vê que sou idêntica a você, não é? Só que com muito mais requinte e sensualidade, virtudes que você provavelmente desconhece.
Vim pessoalmente saber quem é você afinal? Por que fica se lamentando pelas escolhas que você fez? Você sabe que mereceu aquela bofetada, e o que você chama de estupro, Deus! Você sempre com seus joguinhos sexuais e ingenuamente achou que nada aconteceria. Você é patética! Sua vida é patética, não percebe isso? Acha que irá recompor sua vida? Pois eu digo que não! Mesmo que você corte o cabelo, e lave a droga desse apartamento mil vezes, sua vida não irá mudar. Quem você espera? O príncipe que irá te resgatar da masmorra?
Odeio você e odeio no que você se transformou!
Poupe-nos de gritar para os quatro cantos que há vida dentro desse coração murcho. Nós duas sabemos que não há nada aí além de um vazio muito grande, não é mesmo?
A quem você quer convencer? A si mesma? Continue tentando, é o máximo que irá conseguir.
Você não passa de uma vadiazinha e você sabe disso, não sabe? Então assuma logo o que você é, sem dramas, sem lágrimas. Apenas assuma.

O Apartamento


Hanna chega em casa e tem uma sensação estranha. Ela já não era mais a mesma, por isso sentia frio naquele apartamento, um mal estar súbito lhe dominou, e teve que se apoiar em uma cadeira para não cair.
Ah aquele apartamento! Testemunha ocular de tudo que ela havia sofrido, olhava para as paredes e se recordava dos momentos da mais absoluta solidão, e não tendo com quem conversar, chorava suas mágoas para aquele amontado de tijolos e cimento.
Hanna não pode conter uma lágrima que teimava em cair. Sentou-se no chão e começou a rir e chorar ao mesmo tempo:
- Se você pudesse falar! Se pudesse contar tudo que aconteceu aqui!
Ela olhava cada móvel, desde o piso até o teto. Um misto de sentimentos abateu-se sobre ela, sentiu raiva, solidão, saudade, mágoa, tudo ao mesmo tempo. Deitou no chão como se tivesse se dado por vencida, como se todas as lembranças que aquele apartamento trazia, tivessem tomado conta da sua alma.
- E eu que achei que estar com alguém fosse suficiente. Estúpida!
E com uma velocidade inexplicável, Hanna se levanta, troca de roupa, pega todos os apetrechos de limpeza e decide fazer uma faxina.
- Vou te limpar inteirinho. Vou mudar os móveis de lugar, quero comprar um "sino dos ventos", arrumar umas plantas. Se estou com outra cara, você também precisa ficar.
E Hanna quase que compulsivamente começa a limpar aquele apartamento. Enquanto lavava e esfregava, pensava que junto com a água também estava indo embora as péssimas recordações que ela não queria mais ter.
Estava tudo limpo. Os móveis já não estavam mais no mesmo lugar, improvisou uma sala para visitas e outra para assistir TV,"sino dos ventos" pendurado na janela, plantas espalhadas. E quem diria que ela um dia teria plantas? Justo ela que sempre preferiu os animais. Mas ela queria vida ali dentro, afinal, Hanna tinha vida dentro de si.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O início


Hanna decide não voltar para casa. Após uma longa conversa com seu pai, ela o convenceu de que ficaria bem, e não queria voltar. Seu pai era um homem compreensivo e generoso, sempre procurou entender todos os dilemas da filha e vendo-a mais segura e com feições diferentes, também sentiu segurança em deixá-la.
Recuperaram os móveis e Hanna viu seu apartamento como era antes. Mas algo havia mudado, o ar estava diferente, a própria Hanna estava diferente, tinha emagrecido e suas faces estavam rosadas, embora ainda continuasse com os tratamentos.
Foi com seu pai até à rodoviária, seu pai não conseguiu conter o choro e lhe disse:
- Filha por favor, se cuida! Lembre-se de que sua mãe e eu estaremos lá, sempre de portas abertas para recebê-la.
Hanna delicadamente colocou as mãos no rosto do pai, enxugou suas lágrimas dizendo:
- Não chore pai. Vou ficar bem, e sei que posso contar com vocês. Mas é que agora algo em mim mudou. Já não sou mais mesma desde o dia em que recebi a carta de Bones. Sei que o caminho não será fácil. Ninguém disse que seria, mas vou enfrentar. Não preciso ir embora como se estivesse fugindo de algo, não preciso sentir vergonha. Os valores que vocês me ensinaram estão aqui dentro.
Os dois se abraçaram e seu pai ficou mais tranqüilo ao ouvir aquelas palavras. No fundo ele sentiu orgulho de ver que aquela menina que ele havia carregado no colo tinha se transformado em uma mulher. O ônibus saiu e Hanna já sabia para onde iria. Pegou o primeiro lotação e parou na porta de um cabelereiro. “É aqui, tudo vai mudar aqui.”
Os leitores devem estar se perguntando o que tem a ver uma ida ao salão de beleza. Talvez estejam pensando que ela simplesmente quer mudar o visual, porque assim quem sabe sua autoestima ficasse mais elevada. Ocorre, que para a mulher, cortar o cabelo não esta associado a um simples ato de vaidade. É como se fosse um ritual, cortar os cabelos significa coragem e determinação, e no caso de Hanna isso para ela teria um peso maior, já que sempre ouviu das pessoas: “não corte nunca seus cabelos, sua beleza esta neles.” Seria um desafio. Agora, Hanna entendia que sua essência não estava nas madeixas, ela estava totalmente consciente do que queria, seria o início de uma nova fase.
O salão era muito bonito, com fotos de modelos famosas espalhados por todos os lados, revistas de beleza, cadeiras confortáveis e o clima parecia amistoso. As paredes pintadas na cor gelo davam um ar de limpeza ao ambiente. Todos os funcionários estavam uniformizados, vestiam aventais brancos com o nome do salão: Magnífica. Estava vazio, e Hanna foi atendida por uma moça muito educada:
- Pois não? No que podemos ajudar? Você tem hora marcada?
- Na verdade não. Eu estava passando na porta e decidi entrar.
-Ah sim, entendo. Bem, você esta com sorte porque hoje o salão esta vazio. E então? O que vai querer fazer? Manicure, hidratação, limpeza de pele...
- Na verdade quero cortar os cabelos!
- Quer tirar umas pontas, né? Isso faz bem, ainda mais para um cabelo enorme que nem o seu, precisa tirar as pontas para fortalecer e tirar aqueles ganchinhos, sabe?
-Não quero tirar só as pontas. Quero cortá-lo de vez. Quero me livrar desse cabelo, quero um corte curto e moderno.
A atendente fica pasma. Olha para o cabelo de Hanna e para seus olhos convictos: - Moça seu cabelo é lindo! Você parece uma índia! Nunca te disseram isso? Por que quer uma mudança dessas?
- Porque sou muito mais que um cabelo. E depois cresce, não é? E aí posso cortar?
- Sim! Claro! Sente-se aqui, vou te dar algumas revistas para você escolher, ok? – a atendente ainda não acreditava.
- Obrigada.
Hanna começa a folhear várias revistas e se depara com uma foto da atriz Winona Rider. “É esse! É assim que quero!” – foi seu primeiro pensamento.
- Moça, quero esse corte!
- Nossa você não acha que é curto demais? Tá quase raspado!
-Não! É esse que eu quero, pode cortar.
A cabeleireira então umidece os cabelos de Hanna, separa-os mecha por mecha e começa a cortar. Enquanto isso, Hanna já tinha fechado os olhos e só sentia que algo estava caindo no chão. Não teve coragem de se olhar e ficou com os olhos fechados por pelo menos duas horas.
- Olha! Tá pronto! E não é que ficou lindo?
Ela se olha no espelho e solta uma gargalhada. As atendentes não entendem aquele gesto e se olham com ar desconfiado.
- Desculpem, estou rindo porque amei o resultado! Ficou melhor do que eu esperava! Hanna se levanta com uma satisfação que há muito não sentia, paga o serviço e sai agradecendo mil vezes. Ao sair do salão ela experimentara uma sensação de liberdade inusitada. Era como se tivesse usado um espartilho apertado por anos e agora enfim tivesse conseguido desamarrá-lo. Estava segura, feliz. E mais que isso, pronta para encarar sua nova vida.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Prólogo


Não me culpem e nem se entristeçam pela morte de Hanna. As vezes é preciso matar aquilo que nos torna fracos, ou pelo menos lutar. Ela não poderia ser a mesma depois de ter sido espancada e violentada, ninguém é o mesmo depois de uma grande desilusão ou sofrimento.
Nesses casos, há duas escolhas: ou escolhemos viver remoendo todos os dias o passado, (o que não deixa de ser um tipo de morte no pior sentido da palavra), ou morremos e renascemos para uma nova vida, deixando que a pele fique mais espessa, e tomemos em fim as rédeas de nossas vidas! Só que desta vez enxergando a estrela que todos trazemos conosco.
Esse tipo de morte é preciso acontecer todos os dias, se quisermos verdadeiramente que a vida seja diferente. O pesar é difícil? E quem disse que seria fácil? Quem disse que seria fácil viver com a lembrança de uma bofetada e um estupro? Quem disse que seria fácil sofrer por amor, ser rejeitado, usado? Nada é fácil.
Mas temos escolhas, e esta tudo em nossas mãos...

domingo, 12 de junho de 2011

A morte de Hanna


Depois de receber a carta de Bones, Hanna chorava compulsivamente por ter enfim encontrado a verdade sobre si mesma, estava tudo ali dentro dela o tempo inteiro, e ela sabia que só havia uma coisa a ser feita.
Pegou um pedaço de papel e começou a escrever:

"Papai e mamãe: Primeiraramente quero que saibam que os amo muito. Me perdoem por tudo que fiz e por tudo que deixei que fizessem comigo. Agora, eu sei que isso precisa acabar, preciso matar o que me tornei. Quero outra vida, quero acreditar que as coisas serão diferentes. Porque serão. Amo vocês. Ass: Hanna "

Esta sendo difícil escrever sobre isso, mas como disse Clarice Lispector: "uma mortezinha de vez em quando não faz mal a ninguém". E Hanna sabia que teria que ir embora, quando enfim tomou consciência do que havia se tornado sua vida, não teve outra alternativa: "me mato, para depois renascer, mais forte, mais brilhante" - pensava consigo.
Foi ao banheiro e pegou seus calmantes. Foi tomando um a um, e quanto mais engolia, mais certeza tinha que estava no caminho certo e de que todos a entenderiam.
Quando se deu conta, já lânguida, o frasco estava vazio. Hanna se deitou, e abrindo um sorriso pronunciou as seguintes palavras:
- Agora eu vou existir.
Fechou os olhos. Hanna foi encontrada já com o corpo gelado, mas sua face estava rosada e o sorriso permanecia. Nunca esteve tão bonita como neste dia.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O reencontro


Já estava tudo preparado para a partida de Hanna. O apartamento estava vazio, ela se desfizera de todos os móveis, mas continuava ali, sozinha e pensativa:
"Me sinto tão fracassada. Pareço ter sido abdusida e depois colocada aqui de volta, nada parece real.."
As lágrimas desciam uma a uma. Não havia nada o que fazer ali, mas mesmo assim ela continuava sentada e flashbacks passavam em sua mente. Lembrava que não tinha sofrido apenas, também foi feliz ali, desfrutou de uma liberdade que nunca tinha experimentado e pensava que antes de se tornar o que era, suas amigas frequentavam o apartamento e lhe faziam companhia.
Hanna olha para a porta e vê que deixaram uma correspondência. Ela se levanta e corre na tentativa de saber quem tinha entregado aquela carta, mas foi em vão, o entregador misterioso já tinha ido embora.
No envelope estava escrito: de Bones para Hanna. Ela abre rapidamente e começa a ler:

"Pensativa . Hanna vivia em torno de seus pensamentos que muitas vezes eram considerados ''insanos'' ao olhos de quem via de fora . Sempre intensa de sentimentos : ama demais , odeia demais , acredita demais , esperançosa demais , mas essa é a real essência de Hanna , intensidade à flor da pele . Há aqueles que não acreditam na força que ela transmite com suas palavras ou apenas por suas expressões faciais - tão marcantes , seja relatando : tristeza ou felicidade .
Alguns acreditavam que por seus ''maus hábitos '' Hanna não passa de uma crinaça que precisa de cuidados , ou há aqueles também que não querem responsabilizarem-se em ficar do seu lado caso cometa sua insanidade , da qual a mesma sabe muito bem - tolos , idiotas e preconceituosos . Mas sabem que transparecendo essa ''película fina '' fragilidade ; Hanna tem uma fortaleza imensa dentro de si , da qual apenas ela pode dar-se ao luxo de contempla-la e orgulhar-se sem ter que expor nada a alguém . Hanna irá seguir seu caminho , assim como tantas outras estão seguindo , irá cair no meio da estrada assim como confesso eu minha cara amiga caio , e o tombo é feio de ralar os joelhos . Mas é reerguer-se novamente , limpar os joelhos sangrando e sair caminhando novamente , em busca da estrada certa ..."
Ass: Bones

Ao ler essas palavras, foi como se os seis meses de terapia com a psicóloga e psiquiatra estivesse resumida naquela carta tão singela, mas cheia de amor. Sentiu segurança, queria saber quem era Bones, mas seu entusiasmo foi maior e correu para a frente do espelho e finalmente se olhou como há muito tempo não fazia:

"Eu tive de me perder, tive de percorrer caminhos obscuros, mas minha essência continua aqui. Sim! Ela esta aqui dentro, não foi violada! Não sou nada do que me disseram e fizeram, sou uma mulher. Essa é minha vida, minha história e se eu tiver de cair para me reencontrar, cairei quantas vezes for preciso"
Seu choro agora era de alegria porque sabia que poderia recomeçar. E mesmo não conhecendo a amiga secreta, dizia em voz alta:
-Obrigada Bones!


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Carta de despedida

"Não sei o que escrever. Vocês sugaram meus sonhos, minhas forças. Me violentaram fisicamente e emocionalmente, e por que permiti? Vocês nunca mais me verão. Quebraram meus sonhos e agora preciso voltar para a concha. Vocês acham que a mulher é um objeto para ser usado e depois jogado fora. Dizem palavras doces e ternas, são gentis, mas depois apontam suas armas contra minha cabeça e puxam o gatilho.
Se aproveitaram da minha fraqueza, da minha vulnerabilidade para satisfazerem seus desejos primitivos, para garantirem suas virilidades, e assim se sentirem "machos".
Foi esse o amor que conheci: o que mente, que faz ameaças, que humilha, que é covarde e preconceituoso, que bate e estupra. Nunca vou esquecer, e talvez eu nunca conheça outro tipo de amor. Nunca fiz nada para nenhum de vocês, e talvez vocês nunca saibam como vou me sentir de agora em diante, e sei também que vocês não se importam. Por que se importariam? São egoístas demais para perceberem todo o mal que me causaram.
Coitados de vocês que precisam se autoafirmar conquistando uma mulher e depois jogando fora como se fosse um pedaço de papel. Vocês fazem parte da escória, me mostraram o pior da vida porque vocês estão mais doentes que eu."



"[...] Era eu e uma arma e um homem atrás de mim
E eu cantei 'holy holy enquanto ele desabotoava as calças
E você pode rir. Isso é o tipo de coisa que você acha engraçada em épocas como essas..."

Tori Amos

Mais um dia que ela nunca esqueceria


Nos dias que se seguiram após a bofetada, o estado emocional de Hanna havia piorado. As consultas com a psicóloga e psiquiatra se tornaram mais frequentes, mas ela tinha vergonha de dizer o que tinha acontecido. Pensava em ir à polícia, mas tinha medo, afinal, estava completamente sozinha e temia pelo pior.
Hanna já quase não falava, perdera a vontade própria. Ela mal conseguia olhar para aquele homem, mas não conseguia terminar o pânico era maior que qualquer outra coisa.
"É como estar em uma prisão" - escrevia escondida em seu computador, "mas o pior é saber que eu fui a causadora de tudo, tudo estava novamente claro e eu não quis enxergar."
Fazia sexo sem vontade. Tinha medo de dizer "não", e em uma dessas ocasiões, enquanto satisfazia os desejos daquele homem que um dia tinha sido gentil e havia mostrado outro universo para Hanna, ele sussurrou em seu ouvido:
-Quero fazer sexo anal.
-Não, eu não quero, por favor. - Embora ela já tivesse tido várias experiências, sempre ouvira que sexo anal era doloroso e por esta razão, nunca teve coragem de saber como era.
- Mas eu quero! - A essas alturas, aquele homem virou Hanna violentamente de bruços, e disse:
- Fica calma! Se não for comigo vai ser com outro, eu sei. Do jeito que você gosta de sexo, não vai demorar para fazer, então que seja comigo que sou seu namorado. - Pronunciava tais palavras com um sorriso de satisfação, e parecia que os pedidos e o choro de Hanna alimentavam o desejo daquele homem.
Foi inútil relutar. Ela não tinha forças, e simplesmente deixou que ele fizesse o que queria. Tampava sua boca para que não gritasse, e não demorou muito tempo para que ela já sem forças, se entreguesse e deixasse com que ele fizesse o queria. Durou pouco tempo, mas para Hanna era uma eternidade, já que nunca tinha sentido tanta dor em sua vida.
Ele tem seu orgasmo, e Hanna sente algo escorrendo pelas pernas. Vai até o banheiro e vê o sangue, de dentro do banheiro ela escuta:
- Doeu amor? É assim mesmo, tá? Depois que você se acostumar, não vai sentir mais nada.
Hanna sente náuseas e vomita. Liga o chuveiro, se agaicha no chão e deixa a água escorrer pelo seu corpo. Não conseguia conter as lágrimas, queria voltar para casa, para o aconchego da família.
"De novo. Aconteceu de novo." - era o único pensamento que conseguia ter. Queria ficar ali no banheiro para o resto da vida, mas teve que abrir a porta e encarar o homem que estava deitado em sua cama. Sentia nojo, repulsa, mas ao mesmo tempo tinha medo e não sabia o que fazer. Seu corpo e sua alma estavam quebrados de novo, e se perguntava até quando conseguiria suportar.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Do céu ao inferno


Nos meses que se seguiram, Hanna continuou se encontrando com o homem que conhecera àquela noite. Não tardou para que ela se visse completamente apaixonada, já não faziam nada sem o outro, ele era doce, entendia a situação de Hanna e até a acompanhava ao psiquiatra.
Hanna havia emagrecido, estava com a autoestima elevada, seu namorado a levava nos melhores salões de beleza da cidade, Hanna sentia como se tivessem apagado com uma borracha todo o passado e ela estivesse enfim começando uma nova vida. Não existia rotina entre eles, o sexo era cada vez melhor, a diferença de idade (ele era 15 anos mais velho), parecia ser um tempero a mais na relação.
Tudo que estava bom, se tornara melhor, no entanto, os problemas também começaram a aparecer, e o prinicipal deles era o ciúme. Um ciúme doentio que pouco a pouco foi tirando a liberdade de Hanna sem que ela percebesse, ela acreditava que tudo fazia parte do amor que ele sentia e o medo de perder. Mas ela não podia mais olhar para os lados, e ninguém podia olhá-la e por esta razão, as saídas se tornaram menos frequentes. Hanna não queria brigar, queria viver em paz com o homem que ela amava.
Certa noite, ele telefona avisando que teria que viajar a negócios, mas que estaria de volta no dia seguinte. Se despediram pelo telefone, e ela aproveitou para colocar em dia os trabalhos da faculdade que estavam atrasados. Chamou então um colega de classe para que pudesse ajudá-la, e Hanna se sentiu aliviada, pois enfim estava conseguindo dar continuidade aos estudos.
Quando terminaram, Hanna acompanhou seu amigo até o portão do prédio, e quando abriu, o namorado desceu do carro já preparado para brigar:
-Quem é esse? Você aproveitou que eu ia viajar pra me cornear, é isso?
- Não! Pelo amor de Deus! Ele só veio aqui me ajudar com uns trabalhos, só isso!
O colega quis intervir, explicar o que de fato havia acontecido, mas ao abrir a boca, o namorado de Hanna avançou e se ela não tivesse segurado-o pelo braço ele teria agredido seu amigo.
- Vá embora! Pelo amor de Deus, vá embora! Eu me entendo com ele - diz ao colega
O colega obedece, vai embora, mas parecia ter ficado na dúvida se tinha feito a coisa certa. "Eu a deixei sozinha com aquele ogro, que belo amigo eu sou. Ah mas ela deve conseguir contê-lo" - esses eram os pensamentos que passaram pela sua cabeça enquanto fazia o trajeto de volta para casa.
Enquanto isso, na porta do prédio de Hanna a briga continuava:
- Você acha que sou otário por acaso? - dizia o namorado aos berros.
- Me deixa explicar! Não aconteceu nada, eu juro!
-Cala a boca! Quanto mais você fala, mais nervoso eu fico! Nunca mais quero olhar pra sua cara! Vagabunda!
As pessoas passavam e olhavam curiosas a cena. Hanna não aceitou ser chamada de vagabunda:
- Se sou vagabunda você é um louco que precisa ser internado!
Ao pronunciar essas palavras, Hanna sentiu em seu rosto uma mão pesada que a fez virar o pescoço, se desequilibrar e cair.
Ficou ali, imóvel, sentada no chão e sentindo seu rosto arder como se pegasse fogo.
-Meu amor me perdoa! Eu não queria fazer isso! Fala comigo, você tá bem, não tá? Vem, vou cuidar de você.
Hanna não conseguia falar, apenas uma lágrima desceu. Estava tonta, e sua perna doía por causa da queda. O namorado a pegou no colo e a levou para o apartamento. Pedia perdão compulsivamente e dizia que a amava e que nunca mais faria aquilo. A essas alturas o rosto de Hanna estava inchado e vermelho, e ela continuava muda.
Ele a deitou na cama, colocou gelo em seu rosto, e em seguida deitou-se ao seu lado.
As únicas palavras que ela conseguiu dizer foram:
- Você me bateu. - disse quase sem voz.
- Eu sei Hanna, isso não vai mais acontecer. Você é tudo pra mim, é minha vida. Eu te amo! - o namorado repetia compulsivamente e aos prantos.
Hanna permaneceu quieta. Mas os pensamentos estavam a mil, e uma das coisas que pensou foi: "o inferno bateu de novo na minha porta, e eu o deixei entrar."

domingo, 5 de junho de 2011

A redescorberta do prazer


Uma das amigas de Hanna havia telefonado convidando-a para sair. Hanna aceitou de imediato e logo pensou: "hoje não quero saber, vou aproveitar a noite e beber o quanto conseguir."
Hanna se produziu, vestiu um vestido preto curto e decotado que deixava à mostra partes de seu corpo, saltos altos, batom vermelho. Naquela noite ela se sentia sensual e bonita. Naquela noite Hanna se sentia bem.
Era sábado e a rua estava movimentada, as duas amigas andaram e se sentaram em um dos barzinhos mais badalados da cidade. Pediram logo uma cerveja, os homens olhavam com desejo e medo ao mesmo tempo, afinal, eram duas mulheres bonitas e "independentes" bebendo sem se importarem com absolutamente nada.
Não demora muito e Hanna começa a fumar desgovernadamente. Se sentia uma atriz dos anos 40: sexy e glamorosa. E a visão era realmente sexy: uma mulher com um vestido preto, pernas cruzadas, segurando um cigarro com seus dedos, unhas vermelhas e olhar superior.
Alguns minutos depois de se sentarem ali, Hanna é abordada por um homem. Estatura média, porte atlético e loiro. Visualmente não era atraente, mas sabia conversar e seduzir uma mulher. A essas alturas Hanna já estava sobre efeito da bebida e apenas se deixou levar. Ele ofereceu para as levarem para casa, mas quando estavam a sós, disse para Hanna que queria levá-la para outro lugar. "Tá querendo trepar e vai me levar para um motel, pelo menos esse pergunta se quero ir" - pensou consigo.
- Ok, vamos. Disse Hanna não se importando com nada e já sabendo para onde iria.
Ele a olha com satisfação. Para a surpresa de Hanna, ele a leva para um restaurante que ela não conhecia, era um lugar tranquilo, apenas as velas iluminavam o local e só estavam ali casais de namorados.
Ele puxa a cadeira para que ela se sente, Hanna acha tudo estranho, não estava acostumada, e sentiu vontade de rir. Eles pedem vinho, conversam, dão risada e quando menos ela espera, o homem a beija. Era um beijo diferente, quente e terno ao mesmo tempo, e sem pensar, Hanna se entrega àquele beijo, àqueles braços.
Quando abrem os olhos o homem lhe diz:
- Vamos sair daqui?
Ela sabia o que aquilo significava, e apenas disse sim. "Se é isso que ele qnuer, eu também quero, então vamos acabar logo com isso" - era sua voz interna gritando na sua cabeça.
Foram para um motel. Hanna desce do carro e começa a se despir ali na garagem mesmo. O homem quando vê a cena, corre para os braços da mulher semi-nua, surpreendentemente ele consegue ser ainda mais carinhoso. Hanna é carregada no colo, levada para o quarto e deitada cuidadosamente na cama.
Tudo isso fazia-a pensar que estava sonhando, estava bêbada demais e aquilo não passava de uma alucinação. Nenhum homem tinha sido tão carinhoso.
Ele pega seus braços e vê as cicatrizes, Hanna tenta tirá-los, mas ele beija cada cicatriz sem fazer qualquer pergunta. Acaricia seus cabelos, sussurra que ela é linda, beija seu pescoço com uma suavidade jamais sentida.
Os seios de Hanna estavam descobertos e ele os segura com firmeza, beijando e passando a língua em seus mamilos que já estavam pontiagudos por causa do prazer. Ele deixa Hanna completamente nua, e passa a mão por todo seu corpo, era uma sensação diferente, era como se ela estivesse sendo adorada como alguma divindade.
Os beijos continuam, dos seios ele vai para a barriga até chegar no sexo. Não poderia existir nada melhor, Hanna se contorcia e gemia, já não era mais dona de si, seu corpo estava totalmente entregue àquele desconhecido, ele sabia como e onde tocá-la, estavam na mais perfeita sintonia, cada um sabia como dar prazer ao outro.
Hanna então tem seu primeiro orgasmo. Um orgasmo como há muito não tinha, e ainda entorpecida pelo prazer, o homem a penetra e mesmo com o corpo cansado e sensível, Hanna ainda sente prazer e não demora muito para que outro orgasmo aconteça. Dessa vez juntos, no mesmo ritmo, na mesma intensidade.
Os dois dormem e no dia seguinte ela o acorda para irem embora. "É isso mesmo que ele vai fazer agora, é melhor que eu peça primeiro" - pensou antes de acordá-lo.
O homem acorda e a cobre de beijos dizendo:
- Passa o dia comigo hoje?
Hanna lança um olhar cético, mas responde mesmo assim:
- Tá bem, eu passo.
Entraram no carro e saíram sem destino. Ela não se importava, só pensava no prazer que conseguiu ter, e que naquele dia ela teria outros.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A automutilação


Já faziam três meses que Hanna estava fazendo terapia, e as vezes saía do consultório da sua psicóloga sem saber absolutamente nada o que ela tinha dito.
Sentia que aquela não era sua vida, e odiava a pessoa que tinha se transformado. Bebia, fumava, e ia uma vez por semana ouvir o que aquela estranha tinha para dizer:
-Hanna vejo meninas lindas como você, se perderem todos os dias. É isso que você quer?
Hanna apenas levantava os olhos e milhares de palavras passavam pela sua cabeça: "não é isso que quero doutora! É por isso que venho aqui a três meses, para que a senhora me ajude a entender como é que essa merda toda começou? Foi depois que me mudei para cá? Eu acho que não! Acho que começou quando eu tinha três anos e uma prima enfiou o dedo na minha boceta, dizendo que eu ia gostar. Foi aí que tudo começou, e eu tô aqui sentada perdendo meu tempo, e gastando meu dinheiro."
A psicóloga pega os braços de Hanna, estavam cheios de marcas, uma atrás da outra. Ela pergunta:
-De quem você quer chamar a atenção?
- De ninguém.
-Então por que você faz isso?
Hanna olha para a psicóloga e pensa que ela deveria saber aquela resposta, mas se limita em dizer:
-Para aliviar a dor.
Era essa a única verdade. Hanna não queria chamar atenção de ninguém, mas as vezes sentia uma dor tão forte na alma e no coração, que se cortar e ver o sangue jorrando parecia aplacar momentaneamente aquele sentimento.
Volta para casa do mesmo jeito que saiu. Com o mesmo vazio, e com a sensação de que tudo que aconteceu era porque mereceu. Sentada no computador ela digita:
"Só aceito julgamento de alguém que tenha passado pelo mesmo que eu. Se alguém tiver sido molestado, enaganado, estuprado e agredido, aí eu me calo e aceito quieta sem dizer uma palavra sequer."
Hanna se levanta e vai para o banheiro. Puxa a manga da blusa, pega uma lâmina e faz outro corte no braço. O sangue desce, e ela sentia um prazer estranho: "dói pra caralho, mas não sei a razão, me sinto bem. De alguma forma devo ser forte, é preciso ter coragem pra fazer isto."
Ela assistia, sentada, o sangue escorrer de seu braço e juntamente com o sangue, as lágrimas desciam, mas não pela dor, era aquela tristeza infinita que não a deixava.