segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Os Cantos de Maldoror - Canto Segundo

"Agarro a pena que vai construir o segundo canto... instrumento arranacado às asas de alguma águia real vermelha! Mas... o que têm meus dedos? As articulações permanecem paralisadas, desde que comecei meu trabalho. No entanto, preciso escrever...É impossível! Pois bem! Repito que preciso escrever meu pensamento; tenho o direito, como qualquer outro, de submeter-me a essa lei natural...Mas não, não, a pena permanece inerte!...Veja, vejam só, através dos campos, o relâmpago que brilha ao longe. A tempestade percorre o espaço. Chove...Chove sempre...Como chove!...O relâmpago explodiu...Abateu-se sobre minha janela entreaberta, e estendeu-me no assoalho, atingindo a testa. Por que esta tempestade, e por que a paralisia dos meus dedos?Será um aviso do alto para me impedir de escrever, e para pensar melhor nisso a que me exponho, ao destilar a baba da minha boca quadrada? Mas essa tempestade não me atemorizou. Que me importaria uma legião de tempestades! Esses agentes da polícia celeste cumprem com zelo seu penoso dever, a julgar sumariamente por minha testa ferida. Nada tenho a agradecer ao Todo Poderoso, por sua notável destreza; ele enviou um raio de modo a cortar precisamente meu rosto em dois, desde a testa, lugar onde a ferida foi mais perigosa: que um outro o felícite!"

Os Cantos de Maldoror - Lautréamont (Isidore Ducasse)


Um comentário:

Eduardo Ferreira Dias de Souza disse...

Como sempre você traz a nós somente pensamentos, trechos de obras espetaculares... Parabéns... Você é inspiração e exemplo... Obrigado...