terça-feira, 13 de setembro de 2011

Em busca de respostas


Hanna já não aguentava mais as sessões de terapia com a psicóloga e psiquiatra. Os remédios já não faziam mais efeitos, e já era quase um ano fazendo terapia sem obter nenhum resultado ou resposta. Ela queria entender porque era assim, por que se sentia tão improdutiva e desinteressada? E essas compulsões? Seus instintos falavam mais alto que a razão e sentia como se já não fosse dona do seu corpo, mente e coração. Tudo pertencia a algo que ela ainda não sabia explicar.
Para ela tudo começou na infância. Junto com a psicóloga recordou-se do dia em que foi molestada pela prima quando tinha apenas 4 anos! Nunca contou isso a ninguém, sua mente de alguma forma havia bloqueado esse episódio. Após se lembrar, pensou que era apenas uma mulher com a sexualidade mais aflorada, mas não. Hanna tinha relações e as vezes se masturbava em seguida. Os homens não entendiam, e como sempre, vinha a rejeição que ela tanto temia.
Por um longo período não se envolveu com ninguém, mas as vezes o desejo falava mais alto e ela então se tocava uma, duas, três vezes seguidas. E o orgasmo para ela era como enxergar o paraíso, um paraíso que durava alguns segundos porque em seguida ela estava de volta à sua realidade. A realidade que ela não aceitava, queria uma vida normal, mas não conseguia.
No dia da consulta com sua psiquiatra Hanna estava tensa. Estava disposta a questioná-la, queria entender, não ficaria ali sentada apenas escutando enquanto a médica receitava remédios.
Enquanto esperava ela observava o ambiente. As paredes eram de uma cor gelo, as poltronas confortáveis tinham cor de caramelo e havia plantas. Tapetes laranja alegravam a sala de espera e a recepcionista ficava atrás de um balcão marfim.
No entanto, o consultório parecia-lhe pálido. Era espaçoso e pintado de branco, a mesa da psiquiatra era de vidro e as cadeiras pretas. Alguns quadros decoravam o lugar, mas Hanna sentia frio toda vez que entrava ali.
Chega sua vez . Ela se senta de frente para a terapeuta e sem titubear, inicia seu discurso:
_Eu venho aqui há quase um ano, e a senhora me receita remédios e mais remédios, mas não me diz exato o que tenho. Não aguento mais! A senhora não sabe o que tenho passado, essas medicações nada valem, e a senhora insiste que eu as tome! Quero respostas doutora! O que eu tenho?
_Hanna por que isso é importante para você? Um nome é importante para você? Pensei que o essencial seria você viver sua vida - a psiquiatra é interrompida:
_Não! Quero um diagnóstico! E se for preciso me internar me interne, porque nem eu mesma me suporto! Por que me mutilo? Por que esse medo de rejeição? Por que esse vazio permanente? Por que? Por que?
_Tudo bem Hanna. Olha, você sofre de uma desordem emocional.
_Isso eu sei!
_Você se encaixa em um quadro chamado "transtorno de personalidade borderline", ou limítrofe.
_Borderline? Como a música da Madonna?
A médica ri, e tenta explicar a ela:
_É um transtorno muito difícil de ser diagnosticado porque ele envolve uma série de sintomas de outras patologias, entende?
_Sim. Por isso já fui diagnosticada com depressão, distimia, melancolia, mas nunca pensei ter uma personalidade doente.
_Veja bem, existem vários transtornos. O seu é o que chamamos de "doença do amor". Você tem relações sexuais para esquecer a rejeição, no entanto, ela vem, e aí você precisa disso novamente, criando assim uma compulsão, porque você não consegue lidar com suas angústias. E as vezes fica tão infantilizada que tudo que precisa é de um colo, um abraço e alguém que diga que tudo ficará bem.
Hanna derrama uma lágrima ao ouvir essas palavras. Muitas coisas se explicaram, mas também vieram mais perguntas:
_Tem cura?
_Não Hanna. Você pode ter o controle, muitas pessoas tratam comigo e têm esse transtorno e conseguem ter uma vida absolutamente normal. Veja, eu não quis te falar porque não queria que ficasse escrava de um nome, mas há muito tempo eu desconfiava. Você me ligava desesperada, chorando, e no dia seguinte chegava aqui como se nada tivesse acontecido, bem vestida e maquiada.
_ Por que eu?
_Não tenho resposta para isso. As doenças não escolhem classe social, religião, cor da pele. E não importa se são doenças físicas ou psíquicas. Olhe, tenho um livro aqui que quero que leia. Foi escrito por uma borderline que hoje tem uma vida praticamente normal, se formou, casou, tem filhos. Agora que você já sabe, é importante que você leia, pesquise, mas não seja escrava disto, entende? E nem deixe que ninguém a menospreze por isso.
_As pessoas já me menosprezam por muito menos, sou tão invisível que tenho que gritar para que me escutem. Eu não tenho controle doutora, simplesmente não tenho.
_Então nós vamos encontrar. Me diga, você ainda esta bebendo e fumando?
_Sim.
_Hanna você esta bebendo e tomando essas medicações?
_Não me censure, além do mais, venho falando que essas drogas de nada me servem!
_Ok. Vamos ver o que podemos fazer quanto a isto. Por hora, leve o livro e leia.
Hanna se levanta, coloca o livro na bolsa e sai sem se despedir. Estava atordoada, não sabia o que fazer. Ela olhava as pessoas na rua e tinha vontade de gritar por "socorro", mas mesmo que gritasse ninguém ouviria. As pessoas são apressadas demais, os carros passavam e ela desejava ser atropelada.
Chegando em seu apartamento, Hanna tira o livro da bolsa e o joga em cima da mesa. Vai para o quarto e começa a chorar. Chorava compulsivamente, e já cansada, pega uma lâmina e retalha a barriga. O choro cessa.As lágrimas então, se transformam em sangue.

Um comentário:

Unknown disse...

Li ontem, mas só comentei hoje: chorei! Chorei e senti o coração apertar! Isso doeu muito em mim! O diagnóstico mexeu comigo, mas fiquei atordoada, talvez por já saber, lá no fundo, o que eu tivesse, por já conhecer a doença. Foi um soco no estômago. Eu não chorei com meu diagnóstico, eu fiquei tonta, zonza, isso sim. Mas teu relato me partiu toda. É como se, só agora, meu sentimento assimilasse o que meu racional já assimilou e assumiu há tanto tempo! #TENSO

ADOREI a delicadeza e, ao mesmo tempo, a crueza do tempo. Adoro a força que tu expressas em meio a tanta fragilidade. Beijo!