sábado, 10 de setembro de 2011

Os bons tempos se foram


Hanna estava tendo constamente flaschbacks. Já estava morando naquela cidade há dois anos e lembrava-se quase sem querer do primeiro dia em que chegou ali. Aliás, lembrava-se de quando passou no vestibular: a alegria dos pais, dos familiares, mandaram fazer até uma faixa parabenizando a filha por ter passado no curso de psicologia!
E ela, além de estudar via também a oportunidade de fazer sua vida longe daquele lugar que pouco oferecia. Tinha tido dois únicos relacionamentos, mas o que queria mesmo era que sua vida profissional se iniciasse ali.
Os pais a levaram e ficaram uns dias até que se acostumasse com a nova rotina. Sempre superprotetores, iam com ela até o ponto de ônibus, e esperavam ao final da aula para irem juntos para casa.
Hanna moraria com mais três garotas da mesma cidade que ela. Estava empolgadíssima, queria aprender as tarefas da república, acordava às 5:30 da manhã para não correr o risco de perder a primeira aula. Andava pelas ruas tipicamente como uma menina do interior: nunca tinha visto tantas pessoas, tantos lugares diferentes. E ela não passara disso: uma menina.
O dia que os pais foram embora talvez tenha sido um dos dias mais tristes da sua vida, mas ela sabia que chegaria. Quando se viu só, olhou no espelho e disse para si mesma: "agora é com você".
Fez algumas amizades na faculdade, e as vezes saíam e Hanna era apresentada àquela maravilha. Os rapazes se interessavam por ela de uma forma como nunca tinha sido antes, procurava ser uma aluna aplicada, lia livros, apostilas, fazia todos os trabalhos, estudava feito louca para as provas.
Quando estava no segundo período, decidiu morar sozinha. Achou que precisava de mais privacidade e assim o fez. Conseguiu um apartamento no centro, o prédio não era novo, mas era silencioso e Hanna sentiu uma liberdade que jamais teve.
Sua rotina mudou. Estava agora sozinha, mas continuou se dedicando aos estudos. Mas foi no terceiro período que tudo começou a mudar. Hanna já chegava atrasada para as aulas, não conseguia mais ficar até o final e as matérias tornaram-se desinteressantes. E foi também no terceiro período que experimentou o primeiro cigarro de maconha, e tomou bebidas que lhe faziam esquecer a solidão em que se encontrava. Hanna já sentia o peso da solidão.
Se afastou das garotas da república, das amizades da faculdade e se envolveu com aquele que a usou como brinquedo para os amigos. O homem que transou com ela drogada e bêbada na frente de estranhos! E que a chamava de gorda depois de terem relações.

"Me tornei nisso que sou, e ninguém sabe, ou fizeram isso de mim? Acho que foi as duas coisas" - Hanna já não se autodenominava como pessoa, mas sim como "coisa", "isso", "aquilo". Nos momentos de lucidez lembrava-se dos bons tempos, da menina ingênua que sonhava com as flores nos cabelos e com o beijo que tinha visto na TV. Não suportava tais lembranças, e sempre precisava afagá-las com um copo de vinho ou um corte no corpo.
Apesar do calor, Hanna andava com blusas que cobriam todo seu braço porque sentia vergonha. Certa noite, após se cortar, foi para o computador e digitou:

"Por que me corto se vou sentir vergonha? Por que transo com qualquer um se sei que não vou ser amada? Eu não sei, só sei que não consigo parar! E por que minha psicóloga não diz logo o que tenho? Me entopem de remédios que não adiantam nada, porque continuo do mesmo jeito"
E com o sangue ainda saindo de seu braço, pega algumas gotas e escreve a palavra: "doente" na tela do computador.
Hanna não acreditava mais na psicologia, perdeu a crença no curso que sonhou em fazer, mas sobretudo, perdeu a crença em si mesma.